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Será que tudo que chia é asma?

Clínica CDRA • mai. 04, 2022

É um grande desafio escrever sobre doenças que parecem asma mas não são, pois em sua grande maioria, são casos complexos, que demandam um conhecimento prévio em Pneumologia, condição que não está presente para a maioria das pessoas. 


Podemos até tentar resumir:
tuberculose que normalmente vem com febre no final da tarde, suor noturno, perda de peso e expectoração amarela, por vezes com sangue. 


Enfisema
geralmente ocorre em grandes tabagistas após os 50 anos de vida. 


Câncer de pulmão
altera radiografia de tórax, fibrose pulmonar também... mas nem sempre em Medicina as coisas são preto no branco.


Então como abordar esse assunto? 

A melhor forma foi através de uma história legítima e interessante para qualquer pessoa... então vamos lá:


Por volta de
2009, tivemos um caso peculiar em um pequeno hospital da capital: uma senhora com quase 50 anos que internava há alguns anos com uma frequência absurda devido crises de “asma”

No início a julgamos mal, pensamos fingir os sintomas, porque era impossível alguém ter aquelas crises tão graves com tamanha frequência. 


Entretanto, ao analisar criticamente tudo que a senhora nos trouxe, conseguimos entender o que estava acontecendo:
ela estava aspirando comida para vias aéreas! Mas de uma forma muito, muito incomum. 


A partir daí a paciente foi submetida a uma avaliação clínica rigorosa, com realização de exames de alta complexidade, conseguimos confirmar o diagnóstico daquilo que a afligia há tanto tempo: havia uma
malformação vascular importante, uma alteração congênita, ou seja, que estava lá desde quando ainda estava na barriga da mãe dela. 


Essa malformação vascular foi se desenvolvendo ao longo dos anos e criou uma dilatação que comprimia o órgão responsável pelo transporte da comida da boca ao estômago:
o esôfago.


Essa compressão impedia que o alimento descesse livremente, e parte dele retornava e entrava pela traqueia, indo parar nos brônquios, causando aquele monte de crises respiratórias. Pior, essa dilatação, também chamada
aneurisma, poderia romper a qualquer momento e causar uma morte súbita


Ao ser perguntada sobre o assunto, a paciente disse ser comum a comida “
entalar” um pouco ao se alimentar, mas que ela já estava tão acostumada que não dava bola! 


Nós fomos estudar um pouco mais e descobrimos que esse tipo de problema, apesar de raro, já havia sido descrito por
David Bayford em 1761 e havia ganho o nome de disfagia lusória – disfagia quer dizer dificuldade em engolir, e lusória quer dizer brincadeira. Ou seja, uma peça que a natureza pregou em algumas pessoas, com uma malformação vascular oculta capaz de causar esses sintomas tão incômodos.


Bem, o caso, de tão complexo, foi levado para discussão na reunião da pneumologia e cirurgia torácica do HC e submetido para publicação no jornal mais importante sobre doenças respiratórias, o
American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, carinhosamente chamado Blue Journal (ou jornal azul). E, para nossa surpresa, o caso não foi só aceito, mas escolhido para ilustrar a capa do jornal! 


Bem, mas
a história não acaba aí. Havia uma certa dúvida se a cirurgia conseguiria melhorar a parte respiratória, mas ela definitivamente precisava ser operada pelo risco de rompimento do aneurisma, e foi o que fizemos. 


Foi uma grande cirurgia, que corrigiu a
posição da artéria e eliminou o risco de rompimento. Inicialmente a paciente teve uma excelente resposta respiratória, provavelmente devido à dieta cuidadosa que estava recebendo no pós-operatório, mas em seguida, sua respiração voltou a chiar... nossa, foi uma decepção. 


O que havia acontecido? Ela voltara a notar que a comida ainda entalava e descia devagar, mas pelo menos aquelas crises horríveis que precisavam de internação melhoraram. Um alento dentro de todo aquele quadro, mas como sua qualidade de vida não era a ideal, foi mais uma vez submetida a uma investigação rigorosa.


Após grande análise, chegamos à conclusão que a
malformação vascular era tão antiga que causara uma lesão irreversível, impedindo em definitivo uma passagem tranquila da comida para o estômago. 


E agora, o que fazer?

Este certamente foi um período muito complicado, pois nós nos sentíamos impotentes e a paciente perdendo a esperança. Foi muito triste vê-la sofrer daquela forma, pois a confiança no tratamento que todos tínhamos depositado foi imensa. E quanto maior o salto, maior a queda.


Estávamos falando de uma cirurgia grande, que envolvia abrir o tórax, um pós-operatório dolorido e uma recuperação lenta. Sabemos que, por vezes, não parece, no entanto, como profissionais, também sofremos muito quando os tratamentos terminam se mostrando decepcionantes.


Escondemos esse sentimento porque precisamos ser fortes para lidar com os resultados inesperados inerentes a quem trabalha com a Saúde, e sobretudo,
manter a cabeça ereta para vislumbrar saídas dessas situações inusitadas. E foi o que fizemos, discutimos então outras maneiras de terapia.


Neste período, algumas propostas surgiram, como fazer uma
gastrostomia, um buraco na barriga onde colocaríamos uma sonda que levaria a comida diretamente para o estômago. 


Realizar a colocação de uma
prótese no esôfago para mantê-lo mais aberto.


Ou até mesmo uma
prótese vascular que conseguisse reduzir os efeitos dessa lesão irreversível.


E por mais vezes, realizávamos reuniões multidisciplinares com os maiores especialistas do Brasil em doenças vasculares e esofágicas, até que chegamos a uma proposta relativamente simples:
e se, antes de submetê-la novamente a procedimentos invasivos sem garantia de sucesso, fizéssemos uma mudança na dieta, como aconteceu no pós-operatório? Ela tinha ficado alguns dias muito bem da parte respiratória! Então foi o que fizemos.


Para nossa alegria e, em especial, da paciente, aquela estratégia dera certo! Uma mudança simples de
dieta, juntamente com alguns medicamentos inalatórios, controlou os sintomas respiratórios e eliminou em definitivo aquelas crises respiratórias graves, que necessitavam de internação! Que sucesso! 


Belo caso, não? E traz grandes ensinamentos!

O primeiro, e mais importante para nós médicos: a relação médico-paciente transcende a técnica médica, é uma ligação muito forte, onde uma pessoa dá seu bem mais valioso, a sua vida, para outra cuidar. 


Por isso,
escute o seu paciente, acolha seu sofrimento, nunca ache que é tudo fingimento, pois até o fingimento pode esconder uma doença real, quer seja física ou psíquica


Essa ligação é algo mais forte que a amizade, temos muito orgulho quando os pacientes e familiares nos dizem que somos mais que médicos(as)-amigo(as), somos alguém que entrou na vida deles de forma inabalável e inestimável, como um parente muito próximo. 


Deste modo, faça de tudo pelo seu paciente: ele está confiando a você o que tem de mais valioso, nunca se afaste desse caminho virtuoso. 


Segundo
: sempre duvide das suas convicções, pois, de vez em quando, vemos um nariz de porco, uma orelha de porco, um rabo de porco e descobrimos que na verdade o animal é um pato.


Terceiro
: assuma que você pode ser ignorante sobre o tema, então quando as peças não se encaixam, vá estudar mais, conversar com pessoas mais experientes, fazer discussões multidisciplinares. O aprendizado nesses casos é incalculável


Quarto
: quando parece que você chegou a uma rua sem saída, volte até o início, reveja seus passos, pode ser que o caminho certo esteja em algum ponto que você tenha deixado passar. 


Quinto
: podemos nos abalar quando as coisas dão errado, mas nunca nos desesperar nem perder o foco. Todo trabalho precisa ser feito da forma mais profissional possível.


Por fim, a última lição:
nem sempre todo gatinho no peito, toda chiadeira, toda sibilância é asma! 


Todo paciente com
suspeita de asma merece uma investigação pormenorizada para chegar no diagnóstico definitivo, e assim ser tratado do jeito que ele merece, ou seja, da melhor forma possível


Gostou deste conteúdo? Encontre mais como este em nossa Central Educativa!


Responsável Técnico:

Dr. Alexandre de Melo Kawassaki

CRM 117803 | RQE 49066

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